O Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos continua trabalhando para levantar os fatores que contribuíram para o acidente que vitimou a cantora Marília Mendonça, ocorrido em 5 de novembro do ano passado. O aniversário da morte da artista que revolucionou o universo da música sertaneja completa um ano neste sábado (5).
"Não nos pautamos por datas, mas por fatos e evidências", disse ao blog, sob a condição de anonimato, um investigador com acesso às informações levantadas pelo Cenipa.
"O relatório sairá quando tiver que sair", completou.
A declaração foi dada no mesmo dia da entrevista concedida pela Polícia Civil de Minas Gerais, que presume uma conclusão por falha humana, caso se comprove que não tenha havido falha no motor do King Air.
A bordo do táxi aéreo estava a cantora e compositora Marília Mendonça. Conhecida pelos pseudônimos de "A Patroa" e "Rainha da Sofrência", Marília embarcou no início da tarde daquele 5 de novembro de 2021 rumo ao interior de Minas Gerais, onde faria um show. Acompanhavam a artista seu produtor Henrique Ribeiro e seu tio e assessor, Abicieli Silveira Dias Filho, que tinha a mesma idade da sobrinha.
"Foi possível ver que a aeronave começou a perder altitude, rodopiou e caiu", disse na ocasião o tenente Fábio, então comandante do 1º Pelotão de Caratinga, logo depois do acidente com o avião modelo Beechcraft King Air, de matrícula PT-ONJ.
O acidente testemunhado pelo oficial da PM aconteceu pouco depois das 4 da tarde, a menos de 2 km da pista, quando a aeronave se preparava para pousar em Caratinga, a 190 km de Belo Horizonte. Marília Mendonça morreu aos 26 anos, no auge do sucesso.
A declaração do oficial da PM, que aguardava a chegada da cantora do pequeno aeródromo local, corrobora a suspeita do principal fator contribuinte para a ocorrência: para ter "rodopiado", o avião precisaria ter sofrido um forte impacto com algo que interferiu em sua trajetória rumo à pista.
"Sabe-se que o motor esquerdo se chocou na rede de transmissão, o cabo de aço se enrolou no motor e o motor se desprendeu no ar, caindo a 650 metros do local do choque", disse nesta sexta-feira (4) o delegado regional de Caratinga, Ivan Lopes Sales.
O avião estava em situação regular, atestou a Agência Nacional de Aviação Civil, a Anac. O King Air caiu em uma região de cachoeiras, de difícil acesso. Mesmo assim, o resgate chegou minutos após o acidente.
Um ano depois da tragédia que comoveu o país, as conclusões da Polícia Civil de Minas Gerais apontam para uma possível falha humana cometida pela tripulação do King Air.
"Se [a investigação técnica] descartar problema no motor, será essa a conclusão [da Polícia Civil]: o piloto se afastou muito [da pista], veio muito baixo e acabou batendo na rede [de transmissão]", aponta o delegado.
Essa versão não é descartada por alguns pilotos ouvidos pelo blog. Uma longa camada de nuvem estaria em formação na região. Como não conhecia o aeródromo, o piloto do King Air pode ter optado pela aproximação mais longa e sob a nuvem, ou seja, em baixa altitude. Mas trata-se de uma hipótese.
A conclusão da Polícia Civil de Minas Gerais é que, não fosse a rede de transmissão no local, não haveria acidente. As operações no aeródromo não se dão por instrumentos. Os pilotos que atuam na região precisam operar no visual. Não existe uma torre de controle, a comunicação, quando ocorre, é realizada entre aeronaves que sobrevoam o local.
Pilotos ouvidos pelo blog e por jornalistas na região de Caratinga chamam atenção para a longa aproximação feita pelo táxi aéreo que transportava Marília Mendonça e seus assistentes. Essa longa distância teria contribuído para a aeronave sobrevoar o local onde estão instalados os cabos de tansmissão. O delegado de Caratinga ressaltou que o trajeto difere dos realizados normalmente para acesso ao aeródromo.
Egresso de linha aérea, o comandante Geraldo Medeiros não tinha conhecimento prático do aeródromo de Caratinga. Ao seu lado no cockpit estava o copiloto Tarciso Pessoa Viana. Ambos, no entanto, tinham resgistro de bons serviços prestados e competências inquestionáveis.
Em um acidente aeronáutico como o que vitimou Marília Mendonça, há duas investigações independentes: uma criminal, conduzida pelas polícias Civil ou Federal, e outra técnica, sob a responsabilidade do Cenipa.
As conclusões da Polícia Civil apontadas pelo delegado Sales, no entanto, não necessariamente serão as mesmas da conduzida pelo Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos, ligado à Força Aérea Brasileira. Em vez de buscar culpados, o trabalho dos investigadores se concentra nos fatores contribuintes para a ocorrência.
Vários aspectos são apurados, como a rota percorrida pela aeronave, as condições do aeroporto, manutenção e funcionamento do avião, condições meteorológicas no momento do acidente etc. As condições individuais orgânicas e psicológicas dos tripulantes também são levantadas: algum dos pilotos ingeriu álcool? Dormiu bem? Discutiu com a família antes do voo? Estavam abalados por algum fator externo, como a perda de um conhecido, dívidas a pagar? Os exames de saúde estavam em dia? Havia alguma doeça preexistente? Teriam sofrido um mal súbito?
Uma perícia no motor da aeronave também é fator fundamental para as investigações. Os investigadores precisam saber se houve alguma falha que possa ter levado à perda de potência. Por isso, os motores do King Air foram levados a laboratórios certificados pelo fabricante, no caso, a Pratt & Whitney.
A investigação do Cenipa, que não tem prazo para a conclusão, listará todos os fatores contribuintes para o acidente. E, se for o caso, destacará sugestões sobre providências a ser tomadas por órgãos competentes, pelo fabricante ou pela empresa proprietária do avião.
Um dos pontos mais discutidos na ocorrência com o avião de Marília Mendonça é a falta de sinalização em torres de transmissão e cabos de energia localizados na região dos aeródromos. O Projeto de Lei (PL 4009/2021), de autoria do senador Telmário Mota (PROS-RR), estabelece critérios para sinalização de linhas aéreas de transmissão de energia elétrica. O projeto está parado na Câmara dos Deputados. O parlamentar solicitou ao presidente da casa, deputado Arthur Lira (PP-AL), urgência na tramitação. Mas o apelo não prosperou.
O delegado da Polícia Civil de Minas discorda da obrigação de sinalizar as torres e cabos em Caratinga.
"Não havia necessidade de sinalização porque estava fora da área de pouso", disse Ivan Lopes Sales.
Mas, entre o que afirma o policial e o que concluirá o Cenipa, poderá haver discordâncias.
Investigações aeronáuticas têm um único e importante objetivo: contribuir para que tragédias semelhantes sejam evitadas.
Fonte: R7